quinta-feira, 20 de novembro de 2008

La Graine et le Mulet


Ingredientes:

3 peixes
1 tuperware;
1 solid-top guitar;
4 engenheiros civis;
1 VW “pão alentejano”;
1 cx. de barras de chocolate Herbalife;
1 souk;
1 chá de menta (servido em copos de 3);
8 dias de conversa;
Azeite, pimenta, salero e propines q.b.


Modo de Preparação:

Pegar nos engenheiros e colocá-los em água com ondas, a demolhar;

Passado algum tempo surgirá a vontade de um "projecto". Deve-se agarrar com unhas e dentes, descascar de todos os contras e reservar a saudade. Amanhar os peixes, com todo o cuidado, e guardá-los no tuperware. Escoar a água dos engenheiros, marcar horas e juntar tudo no pão alentejano;

Ligar o forno a 1.500km ao longo de três países, dois continentes e um mundo de intervalo. Regar com a saudade a passagem das fronteiras e ir controlando a cozedura. Caso seja necessário, adicionar propines, já que ajudam a chegada de novas imagens e cheiros. Há medida que voltem a surgir fios de saudade, deixá-los correr, para apurar o molho, e estender com a ajuda das barras de chocolate por um dia inteiro;

Retirar do forno e levar de novo o recheio à água: deixar o cansaço expulsar o cansaço e as conversas, sobre tudo e nada, a ecoar entre o Jack e a guitarra. Temperar a gosto mas recomenda-se duas pitadas de salero, três de pimenta e dois fios e meio de azeite Galo. Repetir tantas vezes quanto a saudade o permita. Não esquecer de envolver os engenheiros no souk para ganharem um toque “africano”.

Finalmente, recolocar no pão e levar novamente ao forno. Desfazer a distância até se evaporar o molho. Guardar as lembranças e servir num único prato. Comer à mão, acompanhando com o chá de menta preparado no bule, de preferência daqueles antigos, antigos, antigos...

E bom apetite.


Observações:

Este não tem grandes segredos e é, provavelmente, o melhor cuscuz do mundo.


Fotografia de Kátia Felício, Grãos de Areia

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Como 'uma pequena morte'




Fotografias devidamente surrupiadas à Tatiana e ao Nico.


São momentos oportunos e reconfortantes estes, em que, como que dando-nos uma pausa, saímos para fora de nós próprios.

Ver por fora, estando dentro! Por vezes apenas pelo instante em que se nos suspende a respiração e o batimento cardíaco nos tende para zero.

A fotografia, num seu estado maior, consegue muitas vezes traçar um roteiro por essas pequenas mortes instantâneas que sofremos. Dar a mão, e levar outros a visitar os nossas momentos de meditação.


"Não foi bem uma vista aérea, foi uma coisa estranha, como se estivesse em cima...

Uma espécie de aldeia em miniatura, que eu percorria por dentro estando fora...

É como se olhasse para as minhas botas e as visse dentro dos meus pés, apesar de calçadas...

Era como se eu fosse maior do que o que sou - como se estivesse todo dentro de algo mais pequeno do que eu - dentro e fora em simultâneo, porque ao mesmo tempo que cabia lá dentro era maior do que aquilo em que cabia - uma espécie de ilusão física - de anulação do volume - ou de inibição do impossível - uma abstracção indizível..."

da letra da música "Humano" - Mão Morta

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Superior


Sabes que não te vamos esquecer?

Alinhaste-te por milhares de milhas náuticas para assim te ofereceres, imaculada.

Uma tela em branco.

E em ti desenhámos aquilo que conseguimos.

Linhas do nosso passado, retratos do nosso presente e esboços do nosso futuro.

Sei que te vou encontrar várias vezes e acredita que te reconhecerei.

És as esquerda perfeita que aparece quando eu mais preciso e decidi hoje que vais ser parte da minha vida. Vou desenhar em ti uma mulher, bonita.

E vou-te sentir falta como se sente de um grande amor.

Mas quando apareceres e me acenares, aí vou deixar em ti aquilo que não deixo nas outras.

A saudade.

"Morrendo os dois de saudade, temos toda a eternidade, para pôr à saudade fim." - Manuela de Freitas/José António Sabrosa

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Fight-Club



Encontramos-nos frente-a-frente, cara-a-cara, eu, imóvel, fito-o nos olhos da forma mais serena possível. A minha única intenção: acertar-lhe em cheio com o punho que previamente cerrei com a máxima tensão.

Convém não falhar o primeiro gesto, ele ganha-me em compleição física, tem pelo menos mais 20kg que eu. Entretanto ele lembra-se de me começar a ofender e eu não preciso de mais, acerto-lhe em cheio no nariz, mesmo em desequilíbrio levo logo o troco, acerta-me de lado na cara! A adrenalina é tanta que não sinto qualquer dor, atiro-me para cima dele e vamos para o chão em pleno frenesim de pancadaria.

O César já há algum tempo que nos tenta separar e só agora consegue, mete-se no meio e impõe a pausa. Eu digo-lhe ofegante:

-Vamos César, vamos surfar!

E vamos mesmo, vestimos os fatos num minuto, pegamos nas pranchas e saímos de casa, deixando-o para trás de dentes cerrados e nariz a sangrar.

Também eu ainda tremo de raiva, dói-me a cabeça e penso que talvez vá ficar de olho inchado, no entanto sinto-me aliviado, subconscientemente já há muito que lhe desejava ter mandado um par de murros, apenas nunca pensei vir a concretizá-los. Sinto-me um tanto ou quanto animal, desde o meu 5º ano, e já não me lembro eu porquê, que não andava à porrada.

O César, com a brincadeira, acabou por andar aos tombos contra as paredes e tem o braço todo esfacelado, arde-lhe com o sal, a mim, a água fria atenua-me a dor e ainda cheio de adrenalina surfo de forma animalesca!