Wade Koniakowsky - dreams of waves
"Ao escrever estas linhas, ergo os olhos e o meu olhar abarca a vastidão marinha. Estou na praia de Waikiki, na ilha de Oahu. Lá longe, no céu azul, as nuvens sopradas pelos alísios deslocam-se lentamente por cima do azul-turquesa das ondas. Não tão longe, o mar é esmeralda e de um verde de azeitona claro. Em volta dos recifes, a água toma uma tonalidade púrpura ardósia manchada de vermelho. Mais perto de mim, bandas verdes mais fortes alternam com bandas castanhas, assinalando a presença de línguas de areia entrecortadas por bancos de coral vivo. Uma ressaca magnífica ressoa e retumba por cima e em volta destas cores fantásticas. Como disse, ergo os olhos para contemplar tudo isto e, na crista branca de uma onda, surge de repente uma forma negra, muito direita, um homem-peixe ou deus marinho, deslizando por sobre a curva da vaga que se vai desfazendo e espraiando na sua corrida para a margem. Envolto até à cintura pelas poalha dos salpicos, o corpo do homem é levado no dorso do mar e lançado para terra, percorrendo num só movimento um quarto de milha. É um canaca numa prancha de surf. E logo ali decido que, quando terminar este capítulo, também vou deslizar sobre esta orgia de cores, tentando cavalgar aquelas ondas como ele, embora sem a mesma perícia, mas vivendo plenamente estes curtos instantes da vida. A imagem deste mar colorido e do deus marinho, o canaca voador, acrescentam-se às razões pelas quais um jovem deve viajar para oeste, internar-se cada vez mais nessa direcção, para lá do Sol, e finalmente completar o caminho de regresso a casa."
Estas foram algumas das impressões publicadas no livro "O Cruzeiro do Snark", que Jack London recolheu em 1907 e que passado pouco mais de um século me foram oferecidas como prenda de Natal pela minha mulher.
Pensando agora na razão da oferta, suponho que não devo cair em erro, se considerar que a sua escolha foi a resposta ao pressentimento, mesmo que inconsciente, de que eu me iria sentir identificado pela escrita de um outro homem vadio. E de facto, as descrições vigorosas que Jack London faz do mundo que encontrou ao longo da sua viagem oceânica, bem como o relato das suas imensas aventuras, apelam de uma forma muito directa ao meu instinto de liberdade. Ao meu e à da maioria da gente, suponho eu, pois só possuindo uma natureza muito insípida e fria se pode passar incólume pelos seus episódios nos mares do Sul e suas ilhas tropicais sem ficar de desejo ateado, a ambicionar partir em viagem, a sonhar com paisagens marítimas abertas e infinitas, ou, no meu caso, com encontros fortuitos com ondas perfeitas e solitárias
E veio-me agora a ideia, a este respeito, de que poderia ser um sucesso para a editora lançar o livro num kit com âncora. A intenção, ao contrário do que possa estar a dar a entender, não seria a de vender o barco às peças distribuído num sem número de fascículos até o termos completo e pronto a zarpar. A âncora seria antes a garantia de, oferecido o livro à pessoa amada, não lhe recear uma eventual, impulsiva e súbita fuga para um dos 7 mares.
2 comentários:
"Há mais alegria na Terra por um vadio que regressa a casa com um brilho nos olhos e histórias para contar do que por cem homens pacatos que não chegaram a sair depois do jantar."
;-)
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