segunda-feira, 30 de junho de 2008

Idiossincrasias


Citando de cor uma passagem de um livro de História do meu 5º ou 6º ano, 'Se a história da Terra fosse cronologicamente encaixada num filme de 100 horas, o Homem aparecia nos últimos minutos'.

Porque acredito no binómio respeitar para ser respeitado, não sou adepto de quaisquer manifestações de localismo, mas ao olhar para todas voltas demos ao pico nesses últimos minutos, em muitos e tranquilos spots já há algum tempo nos tinham recambiado para areia sem que eu levantasse sequer um pingo de indignação. Vai-nos valendo o wu-wei'ian way de Gaia...

O meu activismo ambiental não vai além de algumas regras cívicas relativamente básicas. Os meus ideais políticos nunca foram algo que estendesse para fora de discussões mais acesas em rodas de amigos. Mas quando há real hipótese de alguém que já passou algum tempo em cima de uma prancha ocupar a cadeira mais mediática e decisiva do mundo, até em mim isso acaba por criar expectativas. Porquê?

Existem hoje desenvolvimentos tecnológicos tão avançados que a mim, como por certo a quase todos os que possam ler este texto e não sejam investigadores do CERN ou algo do género, soam a efeitos especiais. Simultaneamente, existem hoje retrocessos sociais tão gritantes que a mim, como por certo a todos os que possam ler este texto e não sejam Ditadores de Carreira, soam a passagens do guião d'A Guerra do Fogo. Mesmo quando as há, as demonstrações de consciência cívica local, nacional ou global, que de forma eficiente tentam conciliar as duas questões anteriores, de pôr a tecnologia ao serviço do bem comum, acabam por passar desapercebidas face à dimensão das disparidades. Isso é, à falta de melhor palavra, triste.

Já vimos que, a curto/médio prazo, o resultado de alguém aparentando vontade, mas numa posição não deliberativa, será um documentário para as massas e um conjunto de conferências de sensibilização para plateias, mais ou mais ainda abastadas. Conveniente ou não, é essa a verdade.

Mas... E se tudo isto mudasse?

E se a vontade férrea de alguém com capacidade deliberativa pudesse, realmente, marcar a diferença? E se, de alguém que já exasperou, cinco minutos que fosse, por falta de ondas - ou pior, pela sua existência mas impossibilidade de delas usufruir! – dependesse a decisão suprema do convergir das necessidades tecnológicas e sociais do Mundo? Então, porque nesse alguém existe o mesmo querer com que todos nós remamos para a primeira onda do dia depois de muito tempo sem surfar, não seria plausível pensar que essa decisão é possível?

A questão do Surf nesta equação é mais ou menos idiossincrásica. Eu vejo o correr de ondas de uma forma intensa, como outras pessoas verão outros aspectos das suas vidas, mas há algumas nuances que me fazem acreditar que esta argumentação assenta melhor sobre a água. Por exemplo, Carl Sagan, no seu livro Contacto, coloca esta questão: "[...] Seriam os mundos de civilizações mais avançadas totalmente geometrizados, inteiramente reconstruídos pelos seus habitantes? Ou a assinatura de uma civilização realmente avançada seria a de não deixar absolutamente nenhum sinal? [...]". Eu escolho o que estiver atrás da porta nº 2...

Como podem ler aqui, claro que estão lá os fatos, as pranchas e restantes acessórios, todos eles produzidos de e/ou com materiais poluentes, pelo que, por mais que nos queiram vender o contrário, esta ainda não é uma auto-estrada com via verde. Mas quando numa onda, por mais rápido que se vá ou maiores que sejam as 'nuvens de poeira', as marcas desse trilho são quase instantaneamente apagadas... E quando, em locais 'naturais', do mar olhamos as praias alisadas ou as encostas esculpidas, resultado daquelas 99 horas e alguns minutos de trabalho perseverante...

Mesmo que idiossincrasicamente, parece-me uma demonstração clara, qual combustão espontânea de conhecimento, livre e à distância de um olhar, de um caminho em que decisões civilizacionais poderiam ser baseadas. Se um dia destes vir o Obama no line-up pergunto-lhe se não podíamos experimentar esta aproximação na condução dos destinos do mundo:

Hey Obama, can we...

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