quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eskerrik asko Mundaka *



Acordámos assim, num parque de estacionamento junto ao mar e com uma vista previligiada sobre a pequena ermida de Santa Catalina. Apesar do tamanho, esta capela é um dos ícones maiores de Mundaka e não o será, com certeza, apenas pela beleza dos traços despretenciosos e minimalistas que lhe definem a sua arquitectura gótica-renacentista, a razão passará, igualmente, pela força da sua envolvente que lhe é oferecida pela localização estratégica numa pequena península à entrada do estuário. Dali sente-se todo o deslumbramento e força da paisagem, marcada, essencialmente, pela entrada franca e poderosa do Atlântico rio adentro.

Tínhamos chegado a Mundaka no fim da tarde do dia anterior, mas constatámos que o parque de campismo local, onde pretendiamos pernoitar, estava completo. Sem grandes alternativas e confesso, também sem grande embaraço, improvisámos a estadia num dos parques de estacionamento, que, com a vista oferecida se converteu em espaço de excelência e exclusividade para o efeito.

Com os três carros e a caravana devidamente aparcados junto uns aos outros e após assentado arraial, pouco mais tempo tivemos nesse dia do que para ir morder o ambiente local e um bife de ‘ternera’ na esplanada do Bar Txopos, mesmo junto ao porto onde atracam os barcos e de onde facilmente se pode dar entrada e saída para surfar.

Se pelas muitas fotografias penduradas nas paredes do bar com os tops mundiais a erguer copos para a lente e pelos posters e pranchas rubricadas pelos mesmos, se percebia desde logo que nesta terra o surf tem grande expressão, descobrimos que as ruas e o ambiente que nelas se vive, também o transparecem na mesma medida.

Não como noutra qualquer cidade à beira-mar plantada, em que cada loja vende artigos de surf, ou, não o fazendo, utiliza a sua imagem para vender o que quer que seja. Ali o surf parece estar um pouco para além do consumismo desenfreado, talvez seja menos explícito, mas nem por isso será menos perceptível.

Não será certamente imediato pelo ambiente, agradavelmente solto embora ordenado e clássico, as ruas estão bem acabadas e arrumadas e não sendo austeras têm a sua opulência. Numa terra originalmente de pescadores, todo o casario nasceu debruçado para o mar, mas a ideia que fica, a dúvida que persiste, é se não terá sido antes disposto românticamente para a beleza da onda.

Mas, dizia eu, mais do que pelo desenho da cidade, a presença do surf nas ruas pode compreender-se e sentir-se pelo retorno e investimentos local realizado em resposta à notoriedade e riqueza que a onda lhe ofereceu.

Talvez por viver em Portugal, onde tantas vezes vemos estes recursos naturais desprezados, me surpreenda esta simbiose e proveito mútuo entre onda, surf e localidade, mas ela está presente até nos mais pequenos pormenores, como nos corrimões em inox, por exemplo, que foram colocados em várias formações rochosas e que servem quase exclusivamente, de forma funcional e nobre, os surfistas a entrar e sair do mar em segurança, ou nas brochuras que se encontram nos postos de turismos e que revelam invariavelmente na capa a onda e o surf, ou ainda, de forma ainda mais óbvia, nas tabuletas que sinalizam a entrada em Mundaka com o brasão da cidade lado a lado com um surfista à porta de um tubo.

No entanto, é com a maior subtileza que o surf se revela por entre as ruas desta terra basca. A esse propósito lembro-me de imediato do comentário perspicaz que o Maya, um dos companheiros de viagem, deslumbrado pelo burgo, lançou enquanto as percorríamos, referindo o quanto se notava que Mundaka era uma terra de surf pela postura mais relaxada e tranquila das gentes da cidade.

De facto, enquanto checávamos o mar, alimentando esperanças de uma boa surfada no dia seguinte, avós, pais e filhos, passeavam calmamente com os miúdos, entranhados duma estranha tranquilidade de fim de tarde, que, para quem pratica surf, facilmente reconheceria ser da mesma natureza da que nos invade após uma boa surfada!

O mar estava pequeno quando nos deitámos, com a pouca luz e sem qualquer referência que nos desse uma noção real de escala era difícil avaliar, talvez tivesse um metro nos sets, se tanto, mas sei que foi ondulação suficiente para, na caravana, se ouvir de forma vaga e me embalar numa noite de sonhos cheios de drops em ondas perfeitas.

Um ruído forte de umas quaisquer obras vizinhas acordou os miúdos bem cedo e estes, sem cerimónias, acordaram-nos a nós. Ainda deitado, abri a janela da caravana para deixar sair o ar viciado da noite e deixar entrar a frescura marítima e todos os odores oceânicos que a manhã carregava. Lá fora, para além do barulho ocasional e inopurtuno dos martelos pneumáticos, ouvia-se o som abafado de ressaca da violência do impacto das ondas nas rochas. O mar tinha subido e naquele momento, ao olhar para aquela panorâmica triunfal, percebi que, para mim, a verdadeira grandeza da pequena ermita de Santa Catalina se justificava, não por dominar qualquer movimentação marítima de entrada e saída das embarcações de Mundaka, mas sim por vigiar a chegada de novas ondulações... como que a abençoá-las!

* Muito Obrigado Mundaka

1 comentário:

etienne neto disse...

Boas surfadas Companheiro,,,
Etienne
dashelter.blogspot