quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cinquenta, cinquenta.

Never Falling Pinto a esbanjar estilo em Tifnit

Estava em condições de jurar que tinha a melhor prancha do mundo e tinha acabado de o perceber. Que me perdoassem a imodéstia. Tinha até algumas dúvidas que o artesão que a encontrou dentro do bloco de foam, tivesse destreza suficiente para repetir o feito. Ouço muitas vezes dizer aos escritores que, aquando do processo de escrita de certas obras, tem a clara percepção de que estas têm vontade própria e que estes servem apenas de veículo transmissor para algo que não controlam. Ora eu achava que se tinha passado o mesmo com o meu foguete e que a mão humana não teria condições de o replicar.

Rails, bottom, deck, espessura, largura e comprimento, tudo tão certo. Mexendo um milímetro em qualquer destas variáveis e estou em crer que, embora não passasse directamente à categoria de toco, não teria a mesma magia. Até a escolha pelo amarelo se revelava a mais acertada pois estava a torná-la mais rápida.

Era mais ou menos neste processo de apreciação que me encontrava quando ele passou por mim dentro do seu meio-fato carregando a sua meia-prancha em direcção àquele mar de meio-metro completamente glass. É certo que naqueles últimos dias os line up´s que partilhávamos com os locais marroquinos não eram propriamente compostos por pranchas branquinhas-cor-de foam nem por neoprenes nipónicos topo de linha, mas entrar com metade de um longboard pareceu-me já claramente exagero. Desejei-lhe boa sorte em pensamento não conseguindo evitar um sorriso de troço que me foi devolvido de forma espontânea pelo próprio e pela sua meia dentição.

Aqueci e fui para a água juntar-me Pedro para mais uma sessão de esquerdas na terra das direitas, para infortúnio dos regulares da comitiva. O pico quebrava mesmo em cima de uma rocha e, embora pequenas, as ondas insistiam em quebrar prefeitas. Fui directo e dirigi-me sem rodeios para o pico. Ao meu encontro vinha uma do set na qual já desenhava linhas mentais mesmo antes de começar a remar, mas à segunda braçada o meu estado zen-ó-contemplativo foi interrompido por uma ladainha marroquina que me chegava da direita.

-“Tajine Salameco Salamalon!!!” – berrava quem mais senão o artista do cinco zero noseless a dropar em cima da pedra. Puxei a prancha para lhe dar a passagem e fiquei a assistir por trás a um surf competente até meio da onda onde a secção mais mole o obrigava a enterrar o nose e ao subsequente espalho inevitável. Ria-se e voltava para o pico a remar a mil à hora para me dar a volta e ficar à espera da sua próxima meia-onda. Ao voltar das minhas apanhava-o a ele nas suas curtes. O espalho era sempre certo, mais atrás ou mais à frente, mas o que é certo era que até lá chegar ele fazia umas curvas bonitas que evidenciavam conhecimento profundo do equipamento. Não conseguia evitar rir e pensar nas vezes em que tinha culpado pranchas e quilhas pela minha falta de unhas.

Serviu-me Tifnit para perceber que para além de espessuras comprimentos e larguras, o drive do equipamento também se alimenta da vontade do surfista, e que esta não há shaper que dimensione.

1 comentário:

Pedro Ferro disse...

À saída foi esse o miúdo que nos tirou uma das melhores fotografias da viagem. Fez-nos posar uma dezena de vezes até perceber onde tinha de clicar na máquina - depois de igual número de explicações e de um calduço teu para o motivar. Uma foto de família onde, talvez contagiados pela ímpar disposição do miúdo, todos saímos espontâneos e de sorriso aberto.

Depois de alguma conversa com ele, devidamente traduzida pelo Mohcine, percebi que trabalhava numa doca de manhã e que o resto do dia o passava dentro de água, ou pelo menos tanto quanto o meio-fato lhe permitisse aguentar. Não andava na escola nem sabia sequer o ano em que estávamos, mas conhecia a fundo os fundos, os calhaus e caprichos do mar onde mergulhava... o que realmente importa e desejamos, não é?