- "Se um livro é uma janela,
- Uma porta de luz para o lar,
- Não será a mais bela
- A que tem vista para o mar?"
- Luis Paulo Magalhães
Um dia destes, ao voltar de casa dos meus pais, fi-lo "à moda antiga".
Antecipando um certo prazer, daqueles que se estragaram por excesso, ao ponto dos abandonarmos para só mais tarde redescobrir, roubei um livro das prateleiras do meu antigo quarto e fui para a paragem do autocarro.
Talvez seja estranho falar nestes termos das leituras com que palmilhava todos os quilómetros feitos em transportes públicos. Livros, revistas, jornais... tudo me servia para atenuar o sentimento de revolta pelo que na altura classificava como tacanhez paterna por não me agraciarem com um automóvel, evitando mesmo que ipirangasse um "Vou-me embora de casa!" em vez do mais usual "Mãe, o que é o jantar?".
No entanto, além de mediadores das injustiças decorrentes da ancestral característica paterna de não entenderem as reais necessidades dos filhos adolescentes/jovens adultos, é certo que chegava quase sempre mais tarde, mas também quase sempre mais "rico". Uma dessas leituras era obviamente a Surf Portugal. Da capa à contra-capa, entre os textos que lia duas vezes ou os que saltava depois das primeiras linhas, fazia a viagem casa-faculdade.
Não sei se gostei dos textos do Gonçalo Cadilhe à primeira leitura, mas sei que a dada altura passaram a ser eles a principal razão por dar aqueles trinta quilómetros mensais sempre por bem empregues. Quando as suas crónicas da SP passaram a livro, comprei-o imediatamente, relendo prazenteiramente, mesmo adivinhando palavras ou frases inteiras. Se tivesse de nomear um, um e apenas um, responsável pela forma como vejo, sinto, faço ou escrevo o surf, acho que seria o autor dos textos do Pulsar das marés e dos Sete mares. É aqui que entra o Pedro Adão e Silva.
Acho que já o conhecia do Ondas antes de ele iniciar a sua participação na SP. Mas certo é que, para mais sendo eu próprio secreto aspirante a cronista viajante de uma revista de surf, quando li o primeiro texto da coluna O Sal na Terra devo ter pensado que talvez fosse melhor não me despedir imediatamente do meu trabalho. Numa altura em que o GC terá partido no encalce dos passos de Magalhães, os textos do PAS preencheram esse lado melancólico e poético do off-surf, com o saber e mestria que encontra no surf propriedades químicas semelhantes à do hidrogénio: está em tudo e em todo o lado.
O PAS lançou um livro homónimo dessa sua coluna, onde reúne as suas melhores crónicas. E, porque além do mais usou a caixa de email aqui do blog para nos enviar o convite/press releass do lançamento (que só alguns dias depois descobrimos nas catacumbas do google groups para o qual o mail direcciona - Mountain View, we have a problem...), achei que merecia uma recomendação directa aqui da malta. Quer para quem não conhece, quer para quem como eu possa querer adivinhar palavras e até frases inteiras, parece-me uma boa leitura para a vossa poltrona favorita.
O livro que trouxe de casa dos meus pais, reacendendo a chama, foi o No princípio estava o mar, do GC. O do PAS quase que merecia que largasse o conforto do carro em casa por uns dias. Mas como vou trabalhar uns tempos para o interior profundo e oprimido, longe do mar e da família, O Sal na Terra talvez venha a servir para ultrapassar distâncias num outro meio de tranporte: a imaginação...
Fotografia de Tariana Mara