segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Bicho-do-Mato Órfão de Mar


Ilustração Vera Costa

Pelo menos uns quatro ou cinco quilómetros a mais devem ser, ainda assim permaneces em silêncio ao veres que tomo este caminho. Finjo parecer casual, assumo a postura séria de quem-não-quer-a-coisa, mas, do canto do olho, disfarçando, avalio-te a mudez. Suspeito que um sorriso… que talvez um leve sorriso a esboçar compreensão.

Por aqui é pela estrada ladeada de plátanos, aquela em que as copas se abraçam apaixonadas sobre todo o seu comprimento; Uma paixão que percebo e que tu sabes que eu venho procurar.

É de noite, faz algum frio, mas ainda assim escancaro as janelas do carro enquanto rolamos na inércia que nos trouxe até cá. Tentas comigo ignorar esta frescura nocturna, preocupado que estou em deixar entrar o canto dos grilos, enquanto, serena, aninhas o leve sorriso, agora de compreensão flagrante, no meu ombro direito.

Fragmentos de Lua tentam esgueirar-se através da cortina densa das árvores estilhaçando-se pela estrada e eu, tal copa de plátano, abarco-te com o meu braço livre completando o abraço apaixonado… e seguimos cheirando campo!

Sabes que quando estou assim sem mar, para mais de tanto tempo, me converto em bicho-do-mato; que estou, não estando; que sou como um bicho órfão de mar a chorar por dentro. Sei que sofres comigo porque me amas, mas nestas ocasiões, pouco mais te resta do que me abrires o sorriso e seres companhia nesta estrada. Lado a lado, acompanhados pelo choro dos grilos, ajudas-me a encontrar alimento alternativo para a alma - respigando aqui e ali os estilhaços de Lua. E eu, mesmo a guiar, arrisco por momentos fechar os olhos, na vã tentativa de acreditar que, afinal, aquele túnel de plátanos não é mais do que um tubo perfeito e infinito com que o mar nos abraça!

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