sábado, 11 de agosto de 2007

A Primeira Vez


Não me lembro da primeira vez que surfei uma onda. Aliás, lembro-me muito vagamente. Esqueci os pormenores. Esqueci o que interessa.

Penso muitas vezes se, uma vez chegada a idade em que não possa mais surfar, se as recordações que consiga guardar, de uma onda, um drop, uma fracção de segundo em que sinta a prancha um prolongamento do meu corpo que obedece aos estímulos do cérebro como um dos quaisquer membros, se serão suficientes para me refrear a vontade de fazer o que o corpo já não permite. Será recordar viver? Será sobreviver?

O carismático tube rider havaiano “Mr. Pipeline” Gerry Lopez , interrogado sobre a experiência de um wipe out na mítica bancada de Pipeline no filme “Step Into The Liquid”, responde que: –“...tu pensas que vais morrer! A maior parte das vezes não se morre. Bem, talvez morras...um bocadinho”.

Por vezes dou comigo a pensar se não morro um bocadinho em cada onda que rasgo com as minhas quilhas. Uma troca directa...olho por olho. O oceano dá-me uma onda, entrega-ma, e sem pedir leva de mim fragmentos do que eu sou. Do que eu poderia vir a ser. Onda a onda.

Hoje surfei nos Coxos. Foi a minha primeira vez.

Senti só por olhar, o peso daquele mar. Aquela baía em que quebram algumas das mais perfeitas direitas da Europa permaneceu secreta durante algumas décadas por um punhado de privilegiados que compreenderam a dimensão da dádiva que lhes era oferecida. Hoje ao descer para a baía compreendi o porquê desta atitude. É fácil. Não foi só por desejo dos mesmos. É a própria baía que pede segredo.

Desta vez julgo não ter morrido um bocadinho. Assinei mesmo a sentença. Reafirmei os meus votos e o oceano ofereceu-me de prenda seis ou sete ondas, fáceis, que claramente entraram pela baía, eu juro, desviando-se do resto do crowd existente. Imaginei o clima nos dias em que a onda se revela por inteiro. Imaginei a sensação do viajante e surfista australiano Daf Williams, vindo de uma viagem na qual passou quatro meses na Indonésia, e dois meses em J-Bay, quando surfou três tubos numa onda de de oito pés nos Coxos, partiu a sua prancha em três, saiu e disse – “Foi o melhor tubo que fiz até hoje. Vou para casa.”

Eu não minto. Não surfei ondas de 8 pés, não fiz nem um, quanto mais três tubos na mesma onda e a minha prancha continua intacta. Também eu vim para casa. Mas volto.

1 comentário:

Pedro Ferro disse...

Hoje lembrei-me deste post e vim revisitá-lo. Isto está muito bom, mesmo muito bom.