sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cor de Verde Sonho Quando Não o Deixamos Fugir





Esta single-fin descobrimo-la numa arrecadação do jardim  por debaixo de teias de aranha e sujidade.

– Se pudesse oferecia-te esta casa! – Diz-me ela com um certo ar reguila, apontando-lhe o dedo, enquanto passamos de carro.

É uma casa velha, um pouco degradada pelos anos.

Já pelo espelho retrovisor um cubo sólido de dois pisos que inspecciono: vãos regulares e um sótão por debaixo de um telhado simples de quatro águas. Há uma pequena janela que nele se destaca, é simpática, mas simultaneamente sinistra por dar ares de abandono. De alguma forma lhe deve estar a parecer assombrada, porque

– As assombradas são as que mais me palpitam.

– Se ma oferecesses até a relva à entrada lhe aparava! – Sorrio-lhe – Fazia uma horta lá atrás no terreno e passaria o resto do tempo a pintar-te paisagens marítimas. – Sorri-me.

Imagino que lá de cima, a toda a hora, em jeito de inspiração permanente, entre casa adentro a praia de Pantin. Não só o areal, não só as ondas – que por ali entram bonitas, solenes, como que a trautear notas graves em adágio – também todo o verde-galego, toda aquela montanha florida de árvores altas, e todas aquelas ancas e gestos femininos com que as encostas se dobram e trejeiteiam sobre o mar.

Seria fácil manter uma relação amorosa com este local, é fácil imaginar que aqui poderíamos ser felizes. Lembro-me então do Mark – O Mark é o inglês que nos aluga a casa onde estamos hospedados – ontem convidámo-lo para um churrasco, nós comprámos a comida e a bebida e ele, à grande e à inglesa, trouxe-nos mais umas quantas garrafas.

Eu escolhi o vinho pelo nome, “Señorio de Ondas” dizia o rótulo, não se revelou mau e o primeiro copo que lhe entreguei, logo após a sua terceira cerveja, ajudou seriamente ao desenrolar da conversa – até o meu inglês se lhe tornou mais perceptível… acho! Foi então, entre copos, que nos contou a sua história, como chegou aqui marinheiro e como a Galiza se lhe insinuou quando se acercaram a este troço de costa.

Quando vi o Mark pela primeira vez estava ele seriamente esparramado num cadeirão do seu jardim, todo loiro e despenteado, de roupa velha e furada a disfarçar com o maior dos desmazelos a grandiosidade da sua pessoa. Confesso que mesmo com o seu irrepreensível sotaque inglês lhe demorei a adivinhar mais do que um caricato assaltante de lojas de conveniência. Mas, afinal, aquele disfarce em modos relaxados, era apenas o resultado de quem está a chegar ao seu sétimo dia de criação e descansa depois de trabalhar duro na concretização dos seus sonhos.

Contou-nos que em Inglaterra lhe tinha dado para, de raiz, construir um barco-casa:

– Não tinha nenhuns conhecimentos de náutica… e poucos de construção, mas li muito, consultei pessoal entendido e acabei por fazê-lo com três pisos – ri-se – todo o dinheiro que ganhava era ali que o deixava.

De todas as formas, quando a paisagem galega se lhe insinuou, soprando-lhe solene e em jeito de sereia as suas notas graves em adágio, o seu lado de surfista sonhador logo se rendeu. Sem cerimónias, sem quaisquer remorsos, vendeu-o para custear esta velha casa.

– Fui eu que a remodelei sozinho. – Pois está claro!

As últimas gotas da garrafa que invisto para o copo inspiram-me:

– Devias pintá-la de vermelho, Mark, aqui parece ser típico, as molduras das janelas e das portas de branco e as paredes de vermelho-vinho. Com tantos carvalhos aqui à volta parece-me ser um bom local para envelhecer, não tarda muito e é aqui que teremos o verdadeiro e irrepreensível “Señorio de Ondas”.



Gosto da casa assombrada, concluo. É só construir o barco-casa de três pisos e já cá volto para tratar da compra!

sábado, 24 de outubro de 2009

Gazetando #3...


Air Jordy


Foot Fetish




Free surf 


Lay Back no Lay Day


Fim de tarde através das lentes


Phillip MacDonald com pressão


Kelly

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Gazetando #2...


Dane a voar na sua última onda do dia... curiosamente com o Slater à espera na areia.

Depois do anúncio do adiamento do campeonato para amanhã resolvi dar conta dos meus afazeres profissionais e estive toda a tarde a trabalhar... bem, toda não, ainda com alguma luz resolvi dar mais um salto à praia e até levei prancha não calhasse aquilo estar surfista-maçarro-friendly... não estava, mas também não estava enorme, apesar de ter visto logo à chegada uma prancha a partir. O nível de surf é que era incrível com meia dúzia de surfistas do Tour a dar conta do line-up.

Peguei na máquina fotográfica e à falta de boa luz fiz umas quantas experiências com a máquina.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Gazetando...

... pelo Rip Curl Pro Search em Peniche. Partilho aqui alguns bons momentos que captei ontem dia 20:


"Lines from a poem" - Molho Leste
(ainda não consegui identificar e aceito ajuda)


Kelly Slater a explodir - Supertubos


Chris Ward (seria? aceito ajuda novamente)
de todas as formas confirmo que aterrou


Aéreo Aranburu - nos Super


Postal Molho Leste - novamente o Chris (?)


Michel Bourez a voar nos Super




Toni Slater

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Endless Summer

... ontem gravei o meu.

O dia começou nada menos q extraordinário: acordei com alguém a pedir-me um biberon, algo q acedi e puxei-a para meus braços apreciando o q de facto interessa nestes estranhos enrêdos q nos prefazem os dias. Enquanto adormecia, apreciei a ausência de dores q me vinham fustigando os últimos dias, fossem nas solas dos pés dados os ouriços - da última entrada nos Côxos, ou musculares dadas as incontáveis surfadas das vésperas. Fechei os olhos e imaginei ondas de sonho e águas cálidas e, algo tão ou mais improvável de viver, manobras feitas no limiar do rail e a velocidades anti regulamentares. Momentos depois deixava a caçula na ama, afastando-me de sorriso largo enquanto esta acenava eufórica e parti rumo ao meu destino.

Tomei o café enquanto fingia instruír-me com o CM - como se assim conseguisse enganar alguém, fosse antes o Expresso e talvez... - e esfregava as ramélas e cabelo ainda salgado das sessões de véspera. Cruzei diversos picos e alguns surfistas preenchiam o lineup, versão muito curta para o q almejava. Segui então para o poiso dos últimos dias e rumei areal fora para uma entrada sumária num mar pequeno mas glass, fraco mas cavado... algo diferente se passava pois em pouco menos de 10 ondas não espetei nenhuma calináda... um chapelinho, linhas fluídas, alguns bons roudhouses... chamariz óbvio para as aves de rapina q cedo me circundaram.
No meu 'Endless Summer', não havia lugar a outros protagonistas pelo q, decidi abandoná-los traçando novo azimute e remei seguro para junto do meu ouro. O arco-íris esse, talvez por ser demasiado distante para alguns mas certamente por falta de ambição para mais q outros tantos, percorri-o em solitário trilho até q as costas e braços me pediram clemência. Sentei-me e o vidro tinha consumado todo o local prefazendo toda a superfície de aquífero. Centos de pequenas taínhas circundaram-me e trocámos bons dias... por certo nada ou ninguém nos estragaria a recente relação até q as linhas entraram.

Ignorei num ápice todos os meus novos amigos e aquilo q ao fundo me parecia pequeno e improvável, já perto transformou-se em luz. O meu ouro estava ali. Eram 11h da manhã do dia 1 de Outubro de 2009 qd comecei o festim. A água estava quente e os drops deixavam antever os litros de água q de seguida saltariam dos meus rails. Perdi-me em pequenas salas de silêncio para sair aos berros de alegria - sabendo contudo q ninguém naquele inóspido local me ouviria. Uma e uma vez mais aumentei e consolidei o meu reportório de manobras e ora depressa, ora devagar, as quilhas trilhavam o óleo salgado q benzia o palco. Temi q as cortinas corressem e encerrassem o epílogo - dado q nesta conjuntura económica os orçamentos são apertados - mas ao invés disso e já com o avançado subir da maré as condições foram-se aprimorando e o q começou por ser um reinado de direitas, alcançou o estatuto máximo da triangularidade. O meu pequeno e privado pipeline perdurou até às 14h30m altura em q abandonei os céus. As asas foram-me faltando e despedi-me delas deixando o portão escancarádo para q outro acedesse aquele pedaço de paraíso.

O caminho de regresso teria sido calvário se não o tivesse feito de mente ausente. Apenas o corpo resmungava com as mais de 4h30 de exigência sobre humana mas é algo q já se vem habituando desde tenra idade e o regresso a casa é imperativo pois é lá q está a outra ponta da ponte das 7 cores. Após a remada, nova caminhada e ainda apreciei dois duches em balneário de construção divina.

Voltei para casa exausto e mais leve q um pássaro mas sem grandes tiques de vedeta apesar de o filme ter ficado acima das minhas muito e por demasiadas vezes altas expectativas. Aos telefonemas q fiz e recebi e q invariavelmente me asseguraram terem estado diante de ondas épicas, repliquei q céu só há um e q no dia 1 deste mês tinha tido a indecência de não o partilhar com ninguém. Fui buscar o meu outro ouro e mostrar-lhes o q o pai tinha estado a filmar grande parte do dia, adoraram mesmo sabendo eu q nada daquilo era sequer comparável ao q deixei noutro lado...

Publicado in 'Atitude-Surf'

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Escadaria da Felicidade

Já lhes estava a tirar as medidas e penteava sôfregamente a prancha quando no meu Paraíso Privado tocou o telefone...
'-Está? Olha...a pequenita está com febre... vais com ela ao médico...?'
'-É pá... já estou de fato vestido...'
'-Pois... é pouca febre mas eu estou em Lisboa e não posso ir à ama...'
'-Vou só dar uma entradinha rápida e vou já lá vê-la...'
Tirei o fato não fosse cair em tentações, caí na água e surfei desalmado - o que vos confesso como sendo bastante díspare de 'desalmadamente'. O mar estava grande e glass, a prancha era pequena e eu não estava ali. Fiz quatro ondas e saí. Vesti-me à pressa e qd subia a escadaria, um velho amigo de infância, ex-dealer e agora já de bem com a vida - se bem que com algumas mazélas dos velhos tempos de loucura - aparece-me pela frente:
'-Então mano???? Onde vais a correr???? Não me vais deixar aqui sózinho com este swell não???'
'-Fosgasse pá, tenho que ir ali a casa ver como está a caçula e provavelmente sigo para o Hospital para as análises da treta...'
'-É meu, g'anda cena!!! Então vou buscar a tábua a casa e ficar aqui à espera que apareça alguém
que sózinho não vou lá...'

Praguejei o caminho todo... chamei nomes a todos os cá de baixo e mais ainda aos lá de cima. Não faço mais nada que isto e agora que estão estas ondas de sonho fico em casa?!?!? Quando chego ao infantário, a pequena ria eufórica - talvez sob o efeito do recém ingerido brufen - ligo à médica, directora da pediatria de Torres Vedras.

'-Sim, sim... tou a ver quem é... são os loirinhos da Boavista né? Esqueça lá isso... o que não faltam por estes dias são viróses!!! É Outubro e estão 32ºC... não está à espera de milagres não? Se quinta feira ainda estiver febril apareça mas vai ver que não é nada... hoje já cá vieram mais de 100 e não foi com 37 e picos...'

Caguei bem no gasóleo e nos buracos da estrada de terra batida. Acelerei que nem um louco e estacionei 3min depois, acabado de vencer o Dakar. O Bruno estava a descer as escadas e a fumar uma enquanto via a ondulação a desfazer-se contra a falésia. Mandei-lhe uma assobiadela eufórico!!!!

'-Puto!!! Vamos lá que a míuda já está melhor que nós dois juntos...!!!!'
'-Fosgasse mano, nem os bafos me estavam a convencer de entrar sózinho... vai ser do best'

Entrámos a par e levámos - a par -porrada à séria, uma sucessão de pesos médios, curta mas intensa. As séries entravam a passar a barreira dos 2 metros. A água continuava quente, límpida e o glass era apenas momentaneamente desajeitado por espumas de branco intenso.
Sentámo-nos no pico e rimo-nos. Fónix!!!! Isto tudo só para nós dois?!??!

As direitas estavam ainda melhor que as esquerdas e eu precisava de meter a cabeça em ordem.

Remei com a acuidade física de quem passa horas a premir o tórax contra o deck. A onda não passava de um cano. Resolvi não fazer o óbvio e precipitei-me bem detrás do pico. A adrenalina inundou-me o corpo e o típico calafrio de quem acaba de sentir congelar as veias fez-me raciocinar. Toda a minha atenção recaiu na única trajectória que poderia transformar aquele momento de incerteza e possível dor, num estado de paz e plenitude.

Lembro-me de passar em menos que nada os pés para os cm2 que a prancha me pedia e da minha mão direita pentear a água acrescentando assim mais um leme à nau. A partir daí... o silêncio logo seguido do eclodir do lip do meu lado esquerdo em jeito de orquestra de metais. O Bruno gritava e esbracejava tipo louco quando passei por ele. Eu não. Vivi estático sobre a minha montada, apenas corrigindo a trajectória com pequenas pressões ora na ponta dos dedos ora nos calcanhares, ora mais sobre o pé esquerdo, ora mais sobre o direito. Percorri então todo aquele imenso corredor de cores, sons e vida. Olhei para a prancha que se mantinha incrivelmente seca apesar de envolta em mar revolto, e depois para cima. O branco do foam tinha mudado de cor e o sol a pique fazia daquele tecto o mais belo dos vitrais... talvez por estar reservado a uns quantos previligiados, eu incluído apesar das recentes blasfémias.

A onda foi-se tornando mais pequena e saí imaculado do seu interior bafejado por um anjo de hálito doce.

Abusando da sorte apontei para a praia e após um bottom já em esforço entrei profundamente de rail na parede côncava que me ladeava. Milhares de gotículas se espalharam em meu redor e o offshore manteve-me sempre a vista lúcida mesmo quando já tudo parecia água. Pareceu-me que no mesmo instante tudo se recompôs e voltei a ter o verde do meu lado... subi a ladeira e deixei-me afundar no contra ventre.

O resto da surfada não passou do mais épico que poderia pedir. Ondas power, direitas e esquerdas, manobras de linha e uma velocidade que por diversas vezes fez vibrar as quilhas e produzir um assobio tal brigada de trânsito em cenário de excesso e respectiva coima.

Regressámos aos carros quase 3h depois, exaustos. As escadas pareceram-me bastante mais íngrimes mas a tranquilidade estava agora comigo... despedi-me do Bruno e hoje lá nos reencontrámos no mesmo local.

As ondas cairam para metade e só havia esquerdas. Os tempos entre séries era agora bastante maior e metemos a conversa em dia... volta não volta, lá vinha 'aquela de ontem' à baila.

Estou todo rôto nóvamente. Mas feliz!!!! Qualquer dia tenho mesmo que arranjar emprego... ;-)

De Rolling Stone a Supertramp

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Days (not just) passing by



Levantei-me ainda meio febril de uma qualquer viróse contra a qual embati este fim de semana e me reteve todo o Domingo pelo lar doce lar. (com excepção dos 20min prestados ao 'dever cívico'.)

Em pleno Outubro e sob um sol impiedoso, lá saí de casa com aquela sensação de nervoso miudinho pois o som tipo 'metropolitano nas proximidades' implicava que o swell previsto pelo w'guru estaria provavelmente à beira mar e não na bóia de medição. Sorte a minha que pela temperatura morna com que me acariciou a brisa vinda de Espanha, o prenúncio de mar perfeito estaria prestes a concretizar-se.

Minutos depois caminhava só pelo areal... com meia dúzia de pertences em saco à tira colo, tshirt ao ombro e prancha sob o braço. Assinei a minha presença c/ nada mais que pegadas e aparquei junto à queda de água de cuja nascente dizem provir a cura para as mais diversas maleitas do corpo e qui-ças, da alma. Despi-me de tudo e todos e procurei decisão célere para auferimento de qual dos breaks abraçar, em busca da cura para as minhas.

Como o que é fácil (perto) acaba por nunca ser a minha escolha acertada - e tantas vezes nesta minha caminhada se revelou que já percorri tanta distância extra para obter pouco mais que do mesmo - vagueei então um pouco mais por entre um labirinto de gigantescos monólitos, soltos e espalhados aleatóriamente mas com mais sentido que os de Santa Eulália no Algarve... feito criança, aguardei impacientemente que do outro lado do trilho me esperasse a Miss Reef Out 09 despida e sequiósa de pecaminar.

Nada mais encontrei que um pico de direitas perfeitas, quebrando solitárias sobre uma laje que possuía tanto de ráza como de excitante. Remei canal adentro e a água quente repôs-me a temperatura dentro de parâmetros salutares pois sentia-me fervilhar tanto pela excitação da descoberta quase alcançada como por ainda não me encontrar plenamente recuperado fisicamente.

Ficarei para sempre na dúvida se trocaria a orgia de 2h preenchida pelo reboliço de musas ostensivas, criadas e enviadas propositadamente para serem liquefeitas pelo toque de quilhas e rails, por fugazes 10minutos com a Miss que procurei mas não alcancei.

Ao fim ao cabo a questão estava sanáda antes de nascer e para meu belo prazer dei comigo de corpo totalmente durido mas saciado de sorriso idiota e aberto, a tomar banho todo nú - claro que só - numa cascata de água límpida, em praia deserta a menos de 60km de uma metrópole...

Já o vento tinha rodado quando volvia ao quotidiano e uma vez mais assinei, pé ante pé, a minha passagem pelo mesmo trilho. Cruzei-me já no fim da praia com um casal de turistas de idade já algo avançada, que deliravam com o azul da água e perfeição das linhas que enfeitavam o oceano... demonstraram estranheza pela forma como surgi - tão improvável - de um areal supostamente deserto, não deixando no entanto de me brindar com um very british' desejo de um resto de um bom dia, ao que respondi...

- 'Tks, You have a water fall just for you guys half a mile ahead... enjoy!'

A Mensagem


Ilustração de Vera Costa






"A Literatura, como toda a Arte,
é a prova que a vida não chega."

Fernando Pessoa


As certezas de Fernando Pessoa são assim,
têm o condão de se tornar minhas também.
À primeira vista estranho-as, depois...

Neste caso, pensei nela uns dias, como
quando uma música não nos larga o
ouvido e da qual, mesmo distraídos,
trauteamos o refrão. E de tanto pensar,
às tantas como a beleza que reside nos olhos
de quem a vê, ia-lhe lendo algum surf...

O surf como Arte… Somos nós que damos novas formas às ondas ou é o mar que nos molda a vida? Há quem jure que nada lhe falte enquanto surfista e, à luz daquela afirmação inicial, isso impossibilita-os de serem artistas… mas ao mesmo tempo, remam com todo o desejo do mundo para fazer a próxima onda... Provavelmente, a resposta será qualquer coisa de intermédio. Os relatos, fotos e os filmes de surfadas épicas serão a expressão das nossas memórias. Realmente, independentemente do autor, tem uma definição familiar...

Mas há medida que se reduz o que considero ser a sua essência, quando o leio também em frases de quem nunca pôs os pés numa prancha, sinto que até os adereços que levamos para dentro de água podem ser supérfluos. Quando, nas palavras de quem apenas imaginou o que faço, se dilui aquele sorriso misterioso que trago, ponho algumas questões em perspectiva...

Não há aqui nenhuma elegia ao empirismo. Não pretendo trocar a prancha por um livro ou, mais imodestamente, uma caneta. Arrisco então estas palavras, com mais desejo do que vaidade – desejo, que alguém lhe leia algum surf e, como todo aquele que sabe um segredo, alguma vaidade – porque talvez o surf não seja arte...

É que às vezes, mesmo por instantes, a vida parece-me chegar perfeitamente.


((Publicado na FreeSurfMagazine nº13, Julho 2009))

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Boa Zona



Ondulação, vento, direcções e período - as previsões pareceram-me tão evidentes que, tendo a possibilidade, achei sensato deixar o trabalho para depois.

Estaciono e subo a duna do costume, nesta praia mantemos a curiosidade até lhe alcançarmos o topo, só aí se abre a vista em jeito de posto de observação. Apesar de a escalar em segundos, principalmente nestes dias de bons presságios, aprendi a intuir pelo som da rebentação a qualidade das ondas, assim, mesmo que pelo instante da subida, sempre vou obtendo de antemão alguma informação.

Já cá em cima as linhas no horizonte confirmam o som abafado e forte da ressaca das ondas no banco de areia - não preciso de mais - em despropositados passos de corrida volto para o carro. Sei que não é a pressa que me vai dar mais ondas, mas o desejo de entrar na água já se me entranhou nos músculos.

Só depois do fato vestido é que me lembro que já tinha a coisa mais ou menos apalavrada para ir ter com o Rudas, lá para os lados dele está melhor, deve estar, em noventa por cento das ocasiões costuma estar. Mas enquanto entro na água e vejo a primeira onda a partir já penso que isso pouco importará, tirando talvez a boa companhia, mas isso até ele pode dispensar - perante um bom cenário qualquer surfista se torna num surfista-egoísta - deixa-o apanhá-las sozinho lá, que eu apanho-as sozinho cá!

Como poderia eu recusar o meu spot quando ele se veste com as ondas que passo o ano inteiro a desejar-lhe? Sei que há melhor, lá para os lados do Rudas deve estar de gala, mas os cerca de 80km e a hora-e-qualquer-coisa de caminho que nos separam parecem risco demasiado a correr - aqui e agora está como eu gosto.

Depois de cerca de quatro horas de molho saio da água. Vou buscar a máquina fotográfica para tirar umas chapas e guardar estas ondas de recordação, relembrar-me que de quando em vez elas partem aqui assim. Há quarta imagem captada vai-se-me a bateria, ainda assim parece-me ter tirado as suficientes.


...

À tarde o Rudas ao telefone

- Estás a ver Indonésia? Tirando a temperatura da água, hoje cá esteve igual. Tenho pena que não tenhas aparecido.

a acompanhar pareceu-me que um riso sarcástico, a roçar o gutural. Imagino-o com uma lista na mão encabeçada pelo título: "amigos do surf a quem quero fazer inveja", mas, talvez somente por nunca ter ido à Indonésia, ao contrário dele, não fico muito afectado... ou isso, ou por ter enchido a barriga com as locais e singelas, mas tão minhas ondas desta manhã!