terça-feira, 9 de março de 2010

Aves do Paraíso



Madredeus, Alfama



Sempre tive dificuldade em referir-me à senhora que ajuda em casa dos meus pais por ‘empregada’ ou ‘mulher-a-dias’. Não por ver algum desrespeito ao seu trabalho, nada disso. Mas porque a Dona Isabel rapidamente ultrapassou os limites que essas designações encerram, sendo quase família. Assim, da mesma forma que quando me refiro a um familiar acrescento ao nome o grau de parentesco, quando quero contar algum episódio em que entre a Dona Isabel, acrescento sempre o dela, o de senhora que ajuda lá em casa.

Pouco depois de me ter iniciado nestas coisas do mar visto do cimo de uma prancha, houve um dia em que a Dona Isabel me disse que havia ido passear no paredão da Caparica e reparado nuns quantos surfistas, a boiar feitos gaivotas. Que até me tinha tentado descobrir lá no meio, mas que mesmo à distância, não lhe pareceu ver a minha prancha. ‘O que é que eles faziam ali se não havia ondas?’, perguntou-me no seu jeito brincalhão, mas desconhecendo, por certo, que no peito de um marrequeiro também bate um coração. Devo-lhe ter esboçado um sorriso e respondido com o óbvio ‘banhar de prancha’, enquanto meio envergonhado pensava nas vezes que outros me terão visto também a limpar a minha...

Ultimamente, à medida que afazeres profissionais e familiares me vão reduzindo o tempo de surf, dou por mim a trocar de bom grado a incerteza de uma próxima sessão de ondas perfeitas pela garantia de uma outra, já amanhã, que inclua apenas uma lavagem dessas, de chassis e alma - não vejo a hora em que o meu filho comece a andar e todas as mensagens subliminares que lhe digo ao ouvido surtam o seu efeito: come a papa que é preciso ter força para chegar ao out-side!; no Comboio do Zoo cabe o elefante, a girafa e pelo menos três longboards...; olha lá aquele point-break de direitas no extremo da Ilha das Cores...

Como comecei tarde, sem aspirações a surfista profissional, não me importo que algum dia, no calor da descrição do que é surfar uma onda e por respeito aos que o são com S maiúsculo, venha a ter de corrigir aos meus interlocutores alguma inferência daquelas mais directas, tipo ‘ah, fazes surf? Então és surfista’ por um ‘Sim, faço surf. Mas fico em terra quando há tempestade no mar’.

Mesmo invernos rigorosos como este têm os seus dias de bonança. E nesses dias, qual gaivota, isso há-de querer dizer, de novo, mais tempo de mar.



“[...]Há outra entrada no paraíso/ Mais apertada/ Mais sim senhor/ Foi inventada por um anão/ E está guardada/Por um dragão[...]”
Pedro Ayres Magalhães, O Paraíso


Fotografia de Corey Arnold, The Birds

segunda-feira, 1 de março de 2010

Nervoso, mas sem medo de voar!


O avião só parte daqui a umas horas mas já sinto a efervescência do nervoso "miudinho" no estômago.

Esta não será uma viagem de surf, até que porque o destino não se presta a tal nesta época do ano, mas, ainda assim, sinto-me como que a apanhar a do set.

Tenho andado a falhar! Deixado ondas boas por surfar, andando pelos spots errados, desatento às condições ou simplesmente desligado da essência do mar - que cedo me ensinou a encontrar oportunidades mesmo quando se apresenta mexido e complicado.

Por vezes sinto que gastamos imensa energia a resistir à vida, a contrariar o que tão obviamente desejamos fazer... seguir nela sem direcção, acertando simplesmente o passo ao trilho que vislumbramos.

Pode ser que venham melhores, mas eu apanho já esta!

'té já!