segunda-feira, 8 de junho de 2009
Baú das Recordações - O SURFISTA ANÓNIMO E O GRITO DO IPIRANGA
Num qualquer sábado do mês passado, cumpro o ritual de quase todo o Surfista Anónimo:
- fustigo o despertador com uma palmada, enfio-me na surfwear da moda pendurada desde domingo passado, dou 1 beijinho à mulher e aos putos, fato de modelo ultrapassado à tira-colo e prancha debaixo do braço enquanto beberico um iogurte líquido de morango a caminho da praia…
Ficara a famélga a dormir descansadamente enquanto me questiono acerca desta doença que alastra Portugal fora, contaminando a maioria a quem dedico estas linhas… que raio de virose tão parva esta: sair da cama para apanhar frio e umas ondas… eu que até nem percebo nada disto e nem ganho nada com o assunto. Parece que lá ao fundo ouço os meus pais:
‘Já passou dos trinta e ainda não tem juízo nenhum…em vez de por o dinheiro de lado, gasta-o em pranchas… tss tss tss… e esta última então que foram mais de 100 contos ?!?!?! Mas vá, pelo menos anda feliz!’
‘Então pá… e que tal essa semana…?’
‘Olha… a ver se com um surfzinho a esqueço…’
‘E tu…? Que tábua é essa???’
‘Olha… era de um Pró qualquer que não curtiu e venderam-ma barato… pode ser que já venha ensinada…’
‘E que tal está isto…? Parece um cadinho vazio não…? Raio do relógio que não acerta com uma maré…‘
‘Sim… mas lê aí a revistinha deste mês que é mais meia horita e a maré vira.’
A revista vai passando de mão em mão e as fotos são devoradas e criticadas a um ritmo frenético. ‘São sempre os mesmos gajos’… ‘até parece que não há mais ninguém que surfe’... ‘só aparecem é os amigos…’ – são os comentários mais ouvidos entre a plebe.
Impossível de agradar a gregos e troianos penso para comigo. Mas também, quem não gostava de aparecer uma vez que fosse numa revista de surf para poder emoldurar a página para a posteridade…?
Nós os Anónimos, muitas vezes não cabemos no papel de consumidor e queremos extrapolar para o de intérprete. Mas face aos compromissos publicitários inerentes ao meio, há que perceber que uma percentagem do que folheamos não nos diga muito.
A mim parece-me que também temos muita dor de corno – passe a expressão – aliado ao facto de o nosso rumo de vida ter de alguma forma divergido do mar. Uns enfiaram-se em escritórios, outros arranjaram mulheres pouco tolerantes e afectas ao meio marinho e outros preferem não fomentar o vício pois não têm grande jeito pró assunto. E depois aparecem aqueles prós com look bronzeado, cabelo loiro do binómio sal/sol, os anúncios com sereias e fatos último modelo. E depois vimos nós… que ficamos cheios de dores nas costas à noite por causa do surf, que nos babamos para todo e qualquer perfeito recheio de bikini que corra pavaneosamente na praia e que por muito que encolhamos a barriga e enchamos os peitorais não retribui um pequeno e singelo olhar por muito de soslaio que seja… mas verdade seja dita, isto do surf acabam por ser os Anónimos. Cada vez mais esta nossa paixão anda de mãos dadas com capitalismo e materialismo divergindo dos princípios espirituais com que se iniciou. E quem compra somos nós: roupa, pranchas, fatos, revistas, viagens, acessórios e artigos diversos alguns frutos de imaginações prodigiosas. Os tais Prózáços – mas apenas os que padecem de falta de humildade - deveriam entender que são os tais Surfistas Anónimos – espalhados por essas praias fora e que por demasiadas vezes ignoram e desrespeitam - que lhes paga o pão através da entrega de milhares de euros aos seus patrocinadores.
Passou-se a meia hora necessária pró fundo acertar e fazemo-nos à água... por norma, uma em cada cinco ondas corre de feição. As outras quatro não passam de tentativas de algo. Daí alguma relutância em convencer um amigo fotógrafo a um segundo de uma sessão de surf amador. ‘É muita parra e pouca uva’ – ouvi aqui há dias a expressão e bem apropriada se pensarmos que este epílogo ocorre numa altura de vindimas.
Por acaso apareceu o Tó-Zé - editor da Vert Magazine e bodyboarder inveterado – com vontade de sacar umas fotos em meio aquático. Sessãozinha relax entre amigos de longos anos e com um ou dois curiosos à mistura.
‘Vistes aquela minha onda em que….?’, ‘Curtistes aquela minha tentativa de…?’ - ouve-se aqui e acolá por entre bocas assassinas tipo ‘Este gajo é tão aldrabão: tu não pescas nada disso pá…!’ ou ‘Lá estás tu com a mania que és o Slater…’.
Entre rizadas e combinanços pró almoço e prá surfada da tarde, dá-se por terminada a matinal dos Anónimos. O resultado não poderia ser melhor… antes pelo contrário. Mesmo sem o peito inchado do prózão capa de revista que chega à praia e não cumprimenta quem por ali surfa desde a infância. Mesmo sem os autocolantes, sem as babes, sem o fatuxo xpto-hiper-mega-elasticoflex porque o orçamento familiar não estica e mesmo sem jeito nenhum em especial um fato bom ajuda acondimentar a mediocricidade da performance em meios aquíferos. Mesmo sem os apoios da marca A ou B. Qualquer Surfista Anónimo deveria ter o direito de pelo menos uma vez na vida ver um dos seus momentos de glória imortalizado noutro foro que não o da sua própria mente… no contexto partilho com vocês a minha melhor foto tirada por um amigo meu no quintal de casa com viagem patrocinada pelo meu próprio agregado familiar...
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3 comentários:
Parabéns. Muito bom o texto. Sou mais um entre os surfistas anônimos , brasileiro, e também sempre quis minhas ondas registradas em fotos. Ao longo de 20 anos de surf tenho pouquíssimas fotos.
Pensando nisso passei eu mesmo a tirar fotos de outros surfistas anônimos aqui no Rio de Janeiro, e a colocar no site www.surfsessions.com.br. Gostei muito do texto e como tem muito a ver com o site, postei um link lá. Espero que não se importe.
Um grande abraço.
Claro que não me importo Bruno e parabéns pelo teu site que está excelente!!!!
A partilha é algo essencial entre os membros desta tribo a que ambos pertencemos pelo que se algum dia quiseres aparecer, mi casa es tu casa...
Forte Abraço!!
Posso te dizer que és mentiroso...
quando dizes que não tens pouco jeito pra coisa...LOLLL.
Alto texto, alta foto, alto surfer.
Um abração...
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