Ilustração de Vera Costa
Aprendi a surfar numa prancha em 1ª mão, com pintura personalizada e polida. Nove pés com uma longa faixa em tons de azul ‘maldiviano’. Poderia ter sido mais modesto, procurado algo mais indicado para um principiante, mas à luz da tag-line que li algures para uma surf-shop, fui presa fácil para o vendedor: vendem-se sonhos...
No entanto, nem tudo foram hibiscos. Com um investimento inicial destes, todo o cuidado que tinha para manter aquela semente incólume fez com que aprendesse a andar nas ondas sem quedas. Ora, um bom cavaleiro tem de cair no mínimo sete vezes e eu, que não dropava atrasado nem me atirava a close out’s, apenas imaginava a verdadeira força do mar. Pensando bem, sabendo das capacidades do mais poderoso órgão do corpo humano e que é do desconhecido que temos maior medo, ter aprendido a surfar foi quase um acaso. Três anos depois vendi-a por metade do que me custou, sem nunca ter tido arranjos ou necessitando de algum. Julgo ter feito um excelente negócio... mas na perspectiva de comprador. Só que ao valor sentimental daquele foam-para-toda-a-onda começava a sobrepor-se a vontade de novas experiências e, se há coisa a que é mais difícil resistir que àquela última para sair, é a uma nova prancha.
Troquei-a por uma 9’6” clássica, cor-de-verão, que me poupa braçadas na remada para as investir no transporte fora de água. Até me habituar àquele peso todo, a inércia que me permitia apanhar ondas que nem sabiam que o eram, quase me tirava a capacidade de chegar até elas. Apanhava tudo o que mexesse e, com uma quilha de 10,5 polegadas e alguma mestria, isso incluiria robalos. Aperfeiçoei as caminhadas, os nose-rides e os sorrisos de final de surfada, mas como em dias maiores me via e desejava para chegar lá fora, deixei-me novamente seduzir pelo canto das sereias...
Desta vez não tive necessidade de fazer trocas. No meio de conversas de renascença das fish’s e filmes artísticos como o Sprout e o Glass Love, pesquei uma quad 6’0”, bem espessa para tentar não estranhar muito o alternar com o pranchão. Quanto a isso, não há forma: uma coisa é uma coisa, outra coisa... O surf em si é fantástico, mas aquela entrada de onda que até aí vinha experimentando é completamente diferente e andei muito tempo até me habituar a esta nova perspectiva de drop. Talvez aquela questão das quedas não tenha sido bem resolvida. A diferença de tamanhos e os cinco dias entre os fins-de-semana também pareciam não estar a ajudar. ‘Falta-me algo intermédio’, pensei eu. E houve quem me lesse os pensamentos (talvez, aqui e ali, verbalizados).
O meu primeiro Dia do Pai no lado dos congratulados trouxe-me ‘a que faltava’, uma single fin 6’8”, verde-esmeralda. É certo que teve mais dedo da minha mulher, que num tão curto espaço de tempo consegue dar-me primeiro uma ‘obra-prima’ e agora uma ‘pedra preciosa’, mas acho que também conta. Ainda não a experimentei mas, obviamente, só muito dificilmente outra lhe superará o valor sentimental. E mesmo que isso aconteça, tudo acaba por ser relativo. É que, às vezes perdemo-nos em considerações várias que se afastam do que é realmente importante.
Nas ondas, a primeira coisa que vou ensinar ao meu filho serão ‘carreirinhas’ e para isso não é preciso prancha. Já para celebrar convenientemente quando fizer uma ‘até à areia’, a mãe dele parece-me indispensável. Para as minhas é.
((publicado na FreeSurfMagazine nº10, Abril 2009))
PS - para que não fique qualquer dúvida de onde vem este título, entre uma homónima dos Nirvana e por certo muitas outras que eu desconheça, este vem direitinho dos anos sessenta e do estalar de dedos dos The Temptations. No entanto, como o video-clip original tem uns passos de dança meio abixanados e se o Lewis Samuels aceitar o nosso convite também passamos a ser cinco, para não deixar espaço a interpretações dúbias optei por esta cover do Otis Reading, que tem bailarinas e tudo e tudo!
2 comentários:
Eu estou a tentar ser seduzido pelas sereias (afinal é só mito...), a ver se consigo essa experiência fish!
A moral da história, acho eu, será que o primeiro amor, nunca se esquece. Mesmo sem quedas.
ps: pensei noutra musica http://www.youtube.com/watch?v=gsle8Y-fc4M
Peter, acho que 'tentar ser' não funciona muito bem nestas coisas da sedução - isto apesar de, mesmo que não nos prenda a atenção à primeira vista, haver ainda a possibilidade de, no meio de um genuíno interese, fazer-se o clique.
Talvez por isso, até para aqueles que no limite se prendam aos mastros dos navios como Ulisses, para resistir ao tal canto e a este tipo de chamamentos, a experiência não deixe de ser muito fixe.
Apesar dessa ser uma moral muito boa, acho que a desta é mais que, dependendo do gosto, como na música, deitado ou de pé, o importante é ripar com fé, de preferência tendo na areia a cara metade para repôr-mos energias para a próxima caída no mar...
Boas ondas
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