terça-feira, 2 de junho de 2009

O mundo salvo por um ramo de limoeiro atravessado pela luz dourada da manhã


Pedro e Gui - Acampados no Meco, foto arquivo pessoal


À Maria,
amiga que ainda vou desconhecendo.



“Doce o mar, perdeu no meu cantar”
Los hermanos – 2 barcos



Tão conveniente me seria se um simples “lindo” chegasse para vos entregar o Mar
– Tão lindo!
desta manhã. Porque sei que não vos consigo entregá-Lo estendendo as minhas mãos em concha sem que por entre os dedos se vá parte.

Tenho a certeza que hoje, pelo menos um momento houve, no quebrar mais vibrante de uma onda, no contra-luz da sua crista a elevar-se em vapor, em que Ele entrou corações adentro em harmoniosa violência emudecendo os olhos de quem O via.

Foi uma manhã que me trouxe de enxurrada imensas recordações,
– Boas Recordações!

Por um instante tive outra vez cinco anos e abraçava a minha avó, sentada, na cozinha da sua casa, sentindo na minha cara (pequena) o calor da mesma luz dourada, que agora, passava através dos ramos do limoeiro, atravessava os vidros toscos da janela e vinha juntar-se a nós, quente, difusa, no seu colo.

Nesta manhã revi também outras manhãs.

E lembrei-me do Pedro, o meu amigo homónimo, que há tanto tempo não vejo.
(O Pedro vivia com o mar nos olhos e também o estava sempre a entregar.)
Regressei à manhã em que o encontrei na praia, bem cedo, quando me preparava para fazer uma matinal num dos primeiros dias de sol e calor de início de Primavera. Vi-o ao longe a entrar na água gelada, apenas de calções, a dar mergulhos e a nadar entre espumas como se fosse um puto. Mesmo àquela distância se reconhecia de imediato, com os cabelos pelos ombros, invariavelmente em desalinho, desgrenhados pelo sol, pela praia, todo ele sorriso, todo ele pernas e braços, compridos, finos, desengonçados ao redor do tronco, com um (o seu) certo ar de tolo.

Foi antes de se tornar monge, na altura ainda estava empregado num escritório de uma grande empresa de software e nessa manhã contou-me que todos os dias antes de ir trabalhar vinha dar um mergulho ao mar.
O meu pensamento imediato
– Imagino que te dê uma energia distinta da dos teus colegas de fato e gravata – rindo-me com a minha própria ideia.
O dele
– Energia distinta? Isto muda-te a vida! – todo ele sorrindo com a sua.
O Pedro era sempre cabal nas afirmações! E tinha uma especial habilidade para me imprimir estas pequenas notas na cabeça deixando-me a remoer com o óbvio. Para ele a beleza podia mudar o mundo e ele extraía-a constantemente de todas as esquinas que dobrava na sua vida, como nos mergulhos daquelas lindas manhãs, transportando e oferecendo-a ao longo dos dias.

Nós que surfamos, que entramos Mar adentro em tantas destas manhãs douradas, lindas, procurando o aconchego de um colo em harmoniosa violência nas suas ondas, deveríamos pensar mais vezes em inverter a tendência de levar as arrelias do trabalho para dentro de água, pensar que deveríamos antes deixá-la emudecer-nos o olhar com a sua beleza, mesmo que assumindo um (o nosso) certo ar de tolo e, quem sabe, ver a vida mudar!

“Temos de mudar o mundo antes que o mundo nos mude a nós.”
Mafalda - Quino

((publicado na FreeSurfMagazine))

2 comentários:

Peterwentsurfing disse...

UAU!

Muito bom.
Se a vontade chegasse, era mais rico que o Gates, apenas com esses mergulhos no mar.

elbaptista disse...

Será que a beleza é de quem a vê?

Acho que sim. Esta (nossa) estória contada pelos teus olhos tem beleza sim.

Quando a escreves multiplica-la... para cada leitor, esta é a minha impressão depois de a ler.

(O amor é a única coisa que multiplica quando se divide)

Obrigado por me fazeres sentir útil. O teu amigo homónimo, Pedro Baptista